quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Naquele dia as persianas não emperraram. É provável que fosse a primeira vez. Ao mexer nelas já esperava logo que travassem e se atravessassem. Mal acreditou quando as mãos, miúdas, manusearam as três cordas na perfeição de um balé (Chopin conduzia os passos). Catarina sentou-se na pontinha da cama quase aliviada. Mesmo que brevemente. A cortina até pareceu entender sua dor e dar uma trégua proteg
endo-a dos olhares curiosos da vizinhança ou, como pensou – “Poupando-os de serem contagiados de tanta tristeza”.
Não era mulher de se fazer de coitada. Apesar de, por vezes, nem se achar mulher feita. Catá sentia até um forte asco pelo seu choro fácil. Não conseguiu verter uma lágrima sequer, mesmo com a sensação de ter um rolo compressor esmagando tudo o que tinha entre um seio e outro. – “Não há melhor forma de aprender a dosar o próprio veneno que bebendo-o!”.
Catarina nua, em frente ao espelho, ainda era a mesma. Parecia, no entanto, ter-lhe fugido a alma e, como ela desejou, culpada, por alguns segundos, a vida. Entornou três copos de vinho como fosse cachaça e riu-se descontroladamente. Riu de si. Caiu descabelada no chão quase convulsivamente. Os sufocos sempre passam, sabia. Mas enquanto não passasse, com as janelas fechadas, quem a impediria de ser apenas uma menina histérica? – “Ah, minha menina, há tanta coisa e gente conhecida a ser descoberta!”.
Quase acreditou em D/deus. Quis mesmo sentir-se inteira. Concluiu que algumas companhias têm de ser inventadas para esconder essa solidão, condição do existir. Era a criatura mais pequenina dos tempos. A juba perdeu a realeza, os olhos negros murcharam. Cada poro seu pesava uma tonelada. Agora entendia. A persiana branca desceu leve e macia guilhotina de tão afiada. Catá, Catarina, a desmiolada. Perdeu a cabeça e esqueceu que paixão é covardia. Não se ama de janela escancarada!