quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Fragmentos

Domingo era dia de ir pra casa da mãe (Sei, sempre falo disso, mas foram dos dias mais gostosos). Sempre colocava escondida uma lata de leite condensado na bolsa - era meu cartão para ser a atenção dos irmãos, sem brigas. A Dona Maria (nome que a mãe nunca teve, mas que sempre usei para chamá-la) ficava na cozinha fazendo as comidas mais deliciosas que jamais provarei novamente e eu fugia vez ou outra das bonecas (sim, eu brincava de bonecas tardes inteiras), escondida da Sabrina e ia, com a cumplicidade da mãe, conhecer o universo de suas coleções.

Era uma colecionadora nata, tinha alguns terços que orava todos os dias antes de dormir até virar protestante, uns livros e até revistas "suspeitas" embaixo do colchão...Ela guardava nossos umbigos, nossos testes dos pezinhos, livros de receitas, fotografias e cartas de uma família que eu nunca conheci e, dentro de tantos papéis, podia sentir sua coleção de saudade.


Tinha um pote muito curioso com as mais exuberantes peças. Os chocalhos de cobras eram dos que mais me chamavam atenção. Desmanchei quase todos. Com as mãos mesmo ou com objetos esmagadores, testando como era mais interessante, isso tudo depois de estudar minunciosamente o barulho que cada um fazia. O quanto as serpentes alardam pra se mostrar fortes e o quão fracas são!
Todas as coleções foram embora com a mãe, espalhadas por lugares que nem sei, meu umbigo provavelmente foi parar num lixão qualquer e virou comida de cachorro. Meu pé, carimbado num papel, já rodou o mundo...


Mas ficou algo comigo, dessas coisas materiais. A mãe tinha uma mania curiosa de pegar pedras em todos os lugares que ia. Não qualquer pedra. São umas marrons, até comuns, mas estão sempre frias quando as toco. Às vezes, na falta do que fazer, simplesmente brinco com minhas pedras-herança, jogo pra cima, aparo, aperto nas mãos, como fazia há 17 anos.


A que mais gosto tem a forma de uma orelha. Acho engraçado. Sempre fui a filha faladeira, mas também sempre fui a confidente. Tenho plena convicção de que ela não deixou essas pedras comigo em vão. É como se explicasse que tudo se perde, tudo vai, menos o que é sólido e consistente como uma pedra.