sábado, 30 de junho de 2012

Binóculos

Entediada, pintei o céu de vermelho pra ver se mudo de sorte fazendo do dia, noite.
Assim, podia manter em mistério se a fumaça guardada no pulmão é do último trago de cigarro ou da chaminé da cerâmica que acaba de apagar.
Usei papel celofane laminado vermelho para que as terça-ferias comecem mais tarde e, ainda assim, aconteçam.
O lado prateado fica virado para fora, para o sol. Para que fira os olhos de qualquer um que ouse entrar neste mundo meu pela porta errada, mesmo que com convite. Dessa forma malandra que a gente tem de querer curiar sem meter as mãos e a cara.
Na transparência, as reentrâncias do passado. Vejo uma nova garota pendurada no pescoço do homem que foi meu. Enquanto ele se estica para ver-me, afasto em adeus. Observo meu vulto ficando diminuto nas lentes dos óculos, tão acessórios quanto a menina no pescoço.
Findo como os outros, na mais estúpida interpretação. Sempre haverá a certeza prepotente de que além do vidro, da grade e do papel celofane laminado vermelho, e apesar de toda a fumaça, o céu é azulzim.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Desvio

  • O certo é que vieram em algum momento
  • e determinaram: Deves invadir.
  • Perpetuou-se então tua espécie
  • em mais milhares de corpos como o meu
  • Sujeitos a sarnas, mágoas, e às rugas do tempo.

  • É demasiado irônico ser um desbravador de errantes,
  • mas o mundo já não te culpa pelos que se vão, pedaços.
  • Há, antes de tudo, uma carência desenfreada 
  • por se manter a ordem desajustada.

  • Eu, hospedeira perfeita de ti
  • Dessas que agem quando querem, quase nunca quando devem,
  • gargalho enquanto devoras minhas vísceras 
  • e me apodrece em carnificinas. 

  • A volúpia da decadência que promoves
  • ainda há de fazer meus dias amanhecerem em trevas.
  • Contraste de quem desamou da vida
  • e se enfeitiçou pela morte.