terça-feira, 10 de maio de 2011

Despedida

Vermelho intenso, o sangue escorria pelo profundo corte na batata das pernas e, de tanto que era, lavava a calçada. A grade do portão entre a velha e a menina, ao mesmo tempo que era ínfima, determinaria o destino de ambas. Glup. Engoliu a saliva com aquelas palavras duras que acabavam de entrar em seus ouvidos de 7 anos: - Vá embora e não volte mais. Tentaram me matar, você não vê? Vão fazer o mesmo com você. Vai morrer. Vá e não olhe para trás, não volte nunca. Um dia nos encontramos por aí!

Não era um bom desfecho para aquela manhã tão comum. Levantou, escovou os dentes, tomou banho e passou algum tempo penteando as madeixas negras curtas. De café tomado, a pequena deu um beijo na velha e pegou a mesma komb, também velha, que a levava para a escola. No fim da manhã, só pensava em voltar para casa e comer duas ou três rosquinhas enquanto balançava na rede da àrea e analizava o ritmo diário da cozinha, sempre tão viva.



Quem foi? - Foi o velho! Gritaram os pulmões da senhora grisalha, com o nariz de tomate e olhos saltados. Sua boca fina parecia ter ganhado volume: Vá! Nos veremos...é questão de tempo.


A moleca chorava copiosamente e começou a andar cambaleante, sem rumo, quase carregada pela mochila grande que levava nas costas. Quem a visse pensaria que era um mimo qualquer, nem tamanho de gente tinha. Mas se era ali que era morava, para onde ia? O que faria? Ele iria atrás dela? O velho? Ele sempre foi tão bom...Quase nunca estava em casa, mas quando estava, tinha sempre os bolsos abarrotados de balinhas, como se minassem dali, e lhe dava um enorme prazer quando encostava a pequenina cabeça em seu peito para ouvir o coração calejado batendo como se dissesse que, de tão pequena, cabia ali.


Por sorte, acertou um lugar com conhecidos que já tinha ido umas poucas vezes. Levaram-na para a casa vizinha à da velha. Foram lá, ver o que havia. Era o primeiro sinal de loucura, mas quem acreditaria? Sempre tão sóbria, a própria sinházinha tinha cortado sua perna. O acusado nem na cidade estava. Pensaram ter sido um deslize, contaram da menina, seu paradeiro. A velha disfarçou, fez que nada aconteceu e deu as costas, foi buscar a "fugitiva" a tapas e puxões de cabelo. Um escândalo!

Por mais que a tenha visto depois e que ainda a veja vez ou outra, a vó e eu nunca mais nos encontramos. Somos dois olhares perdidos.

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